Por Dra. Renata Aniceto – médica pediatra, nutróloga e mãe de uma jovem com T21
O Censo de 2022 trouxe um dado inédito: o Brasil possui mais de 2,4 milhões de pessoas com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Pela primeira vez, o IBGE nos oferece um panorama oficial sobre o autismo no país — e isso é motivo de celebração, mas também de alerta.
E como mãe de uma jovem com Síndrome de Down (T21) e médica que atua há mais de 20 anos com crianças atípicas, não posso deixar de levantar uma pergunta: onde estão as crianças com T21 nesses dados?
Um silêncio que custa caro
Na minha prática clínica, vejo com frequência um cenário preocupante: crianças com T21 que apresentam sinais claros de TEA, mas que não são investigadas. Por quê? Porque esses comportamentos são, muitas vezes, confundidos com “traços da síndrome”. E o resultado disso é alarmante: o diagnóstico de autismo na T21 chega, em média, apenas aos 8 anos — quando muitos sinais já estavam ali desde os 18 meses.
“A verdade é que o nome pode esperar. Mas a intervenção, não.”
— Dra. Renata Aniceto
Sinais como evitar o contato visual, não apontar para objetos, reagir de forma intensa a estímulos ou não responder ao próprio nome são frequentemente subestimados. Em vez de serem considerados indicativos de TEA, são vistos como parte do “atraso esperado” da T21. E isso adia (ou até impede) o início de terapias que poderiam transformar essa trajetória.
O desafio da formação médica
A insegurança dos profissionais também é um fator importante. E eu falo com propriedade: a residência médica não prepara o pediatra para esse tipo de atendimento.
Foi justamente por ter vivido essa lacuna — como mãe e como médica — que decidi criar o curso Guia Prático para Médicos no Atendimento à Criança com T21. Um projeto construído com escuta, prática clínica e base científica, para que mais profissionais estejam prontos para acolher essas famílias com o olhar técnico e sensível que elas merecem.
“Hoje tenho um fluxograma claro e seguro para atender meus pacientes com T21. O curso da Dra. Renata me deu o que a formação tradicional não trouxe: ferramentas práticas e aplicáveis para cada fase do desenvolvimento.”
— Dra. Jordana, pediatra participante da 1ª turma
Capacitação e comunidade: o que estamos fazendo para mudar esse cenário
Além do curso, que está com inscrições abertas para a 3ª turma até 10 de junho, organizamos um aulão gratuito no dia 27 de maio às 20h, onde vou explicar os fundamentos do atendimento à criança com T21 e compartilhar experiências reais com os participantes. Médicos e pediatras estão mais do que convidados.
Na minha clínica em São Bernardo do Campo, atuamos com uma equipe multidisciplinar e um plano de cuidado individualizado para cada criança, sempre em parceria com terapeutas externos e com a família. Essa visão 360° é o que permite que nenhuma criança fique invisível ao diagnóstico — e nenhum pai ou mãe caminhe sozinho.
E, claro, continuo nutrindo com muito carinho a Tribo 21, nossa comunidade digital com centenas de conteúdos sobre desenvolvimento infantil, TEA, alimentação, suplementação e estimulação cognitiva. Um espaço feito para informar, acolher e transformar.
Um número que pede ação
O dado de 2,4 milhões de brasileiros com TEA é mais do que um número. É um chamado. Um lembrete de que precisamos olhar com mais cuidado para quem ainda está fora da estatística. E esse cuidado começa com informação, formação e empatia.
Se você é médico, terapeuta, mãe, pai ou familiar de uma criança atípica: saiba que é possível mudar essa história. E nós podemos fazer isso juntos.